Li o “Sobre a ira” de Sêneca e fiquei contente com a conveniência do conteúdo.
É o tipo de livro que é preciso tornar-se parte de um mantra para ter efeito - tudo faz sentido, mas perde-se no cotidiano, quando mais seria útil. Portanto, resolvi encurtar a lição para revisitá-la sempre.
O que é a Ira?
De acordo com Sêneca, a ira pode ser quebrada em um processo. Primeiro, há uma injúria, real ou não, que respondemos de forma instintiva e automática, o que é normal que nos cause desagrado. Segundo, nossa razão tem a oportunidade de aceitar a injúria percebida.
Por último, aceita a injúria, a ira sobressai a razão e busca a vingança e crueldade; altera-se fisicamente, aproxima-se de um animal.
Portanto, a ira não é o primeiro impulso, mas o acatamento pela razão de que aquilo foi nocivo e merece vingança. Esse segundo momento é que deve-se buscar controlar pela razão.
A utilidade
Em contraponta com Aristóteles, Sêneca acredita que a ira, como um vício, não possui qualquer utilidade para uma pessoa virtuosa. Argumenta que nada que é ruim pode tornar-se bom em uma dosagem: se estamos bem com pouco daquele vício, melhor estaríamos sem nada dele.
A confusão de que a ira seria útil para animar, gerar ímpeto e causar mudanças vem da impressão deste efeito em pessoas sem as virtudes de vigor e coragem. Mas o custo de estar neste estado de ira é maior do que os acasos que podem parecer benefícios.
Como vício, essa toma o lugar da razão e nenhuma pessoa virtuosa e sábia poderia-se tornar melhor na ausência de sua principal ferramenta. Portanto, a ira é completamente dispensável.
Como encarar os problemas sem irar-se?
Começa-se pelo entendimento de que essa não é a melhor forma.
Se a nossa resposta para problemas fosse sempre a ira, entregaríamos o nosso estado mental e tranquilidade nas mãos de outros, enquanto isto deveria estar em nosso próprio poder.
Assim como um médico não se zanga diante do doente, mas remedia, a sabedoria consiste em não irar-se, ser justo e sereno, não ver o outro como inimigo, mas como alguém que pode-se corrigir os erros.
No mais: pense no custo de irar-se com tudo. O empenho em alimentar esse vício é tão grande quanto o de buscar as virtudes em prol da tranquilidade da alma, recompensa muito maior do que seria vingar-se pelas injúrias percebidas. A razão aconselha a paciência, a ira, a retaliação. O sábio faz uso do rigor ao invés da ira.
Como evitar
Lutar contra a causa primeira: a impressão de que se sofreu uma injúria. É insensato acreditar que há uma tentativa de injúria vindo de algo muito superior: a natureza, a fortuna e etc. Da mesma forma, de algo sem consciência: crianças e animais. Quando supormos que vem de algo menor, despreze, quando maior, poupe-se.
Uma primeira forma de evitar o acatamento da injúria é: olhe a si próprio antes de julgar. Quantas vezes agiu de forma parecida com essa que no momento tem tomado como ofensa?
Aguardar é das formas mais efetivas, pois o tempo favorece a verdade. Não é preciso perdoar, mas ponderar.
Pode-se também levar uma vida menos propícias as situações que poderíamos supor injúria. De Demócrito: é um estímulo à tranquilidade se evitarmos no âmbito privado e público nos ocuparmos com tarefas numerosas ou maiores que nossas forças. Portanto, sempre antes de uma tarefa é bom medir-se. Uma tarefa não terminada pesa sobre nós e nos deixa irritadiços.
Da mesma forma, viver junto à pessoas serenas, simples e que não alimentariam sua ira. Porém, é bom ter consciência da própria irascibilidade: cada um tem suas fraquezas e até mesmo uma pessoa calma poderia despertar esse vício em nós. Identifique e proteja-se, assim como os sinais iniciais de cada um devem ser bem conhecidos para que se possa agir e cortar.
Fome, sede, cansaço… tudo isso nos deixa suscetível.
Dê liberdade aos amigos para trazerem-lhe de volta à razão quando estiver neste estado.
Além de não estar em um estado não suscetível é importante: não vá atrás, deixe passar. Paciência com a afronta é um instrumento importante. Faça de tudo, inclusive, para encontrar uma desculpa para as injúrias que chegarem até você - afinal, o ônus de ser de fato uma injúria é seu e não da outra pessoa.
Quando estiver analisando uma injúria, olhe para os motivos iniciais. Muitas vezes são tão frívolos que vai perceber como não vale a pena importar-se. Olhe para as pessoas que supostamente causaram: seriam capazes fazer diferente?
Outro estado suscetível de ira é a inveja, estado que só é causado por nossa culpa:
Agradece, antes, pelo que recebeste; espera o restante e fica contente por ainda não estar repleto; é prazeroso ter algo a esperar.
Preste contas para si mesmo: ao fim do dia, contemple as suas ações e pense sobre os vícios relacionados.
Ajudando pessoas em ira
Além de evitar e remediar, pode-se também enumerar como ajudar as outras pessoas.
Quando ajudando os outros, a principal ferramenta é a mesma: dar-lhes tempo. Portanto, afasta deles os instrumentos de vingança. Mostre-se de acordo, de forma que passem a ouvir seus conselhos, e simule que poderia até auxiliar para uma vingança maior e melhor, pois assim pode retardá-los. Faça de tudo para dar repouso, tente distrair e agradar com assuntos agradáveis.
Podemos lembrá-los de como a sua ira irá satisfazer seus inimigos, além de prejudicar sua própria imagem junto aos que os admiram.
Por fim: a vida é curta demais para gastar energia e tempo com a ira, assumindo injúrias. Em breve vem a morte para tornarmos iguais. Enquanto estivermos entre os vivos, que se pratique a benevolência.